sábado, 13 de abril de 2013

Destruição dos igarapés de Manaus sob análise do Ministério Público Federal



O Instituto Amazônico da Cidadania - IACi protocolou no dia 08/04 próximo uma representação no Ministério Público Federal contra o governo do Estado do Amazonas sobre a destruição dos igarapés que vem ocorrendo na cidade de Manaus pelo programa de saneamento dos igarapés de Manaus, o Prosamim.



Na petição o IACi sustenta que a forma adotada para a recuperação dos igarapés de Manaus, através do Estado do Amazonas, por via do PROGRAMA SOCIAL E AMBIENTAL DOS IGARAPÉS DE MANAUS – PROSAMIM vem se constituindo como flagrante atentado à paisagem natural da cidade, dano ambiental grave, verdadeiro crime ecológico, IMPORTANDO NA COMPLETA EXTINÇÃO E DESTRUIÇÃO DESSES IGARAPÉS.


Não há dúvida que o trabalho de recuperação deveria ser realizado de forma a preservar a paisagem natural, ou de garantir a recuperação dessa paisagem, violentada ao longo do tempo, por conta do processo irregular de invasão.

É flagrante que esses igarapés compõem um traço típico, característico, único, da cidade, e o trabalho que vem sendo executado configura violência explícita à natureza, à paisagem natural da cidade.

O fato de ser a cidade entrecortada de igarapés – mais de 1000, como se tem notícia - é, sem dúvida, um traço típico, característico, único (inexiste cidade brasileira igual), sendo forte expressão da natureza, com valor artístico, paisagístico e turístico inigualáveis.

Na verdade, após a conclusão do trabalho de recuperação registra-se a ocorrência de danos graves.

Assim, esses igarapés - cuja largura, no período de cheia, atinge mais de trinta metros - foram aterrados e transformados em pequenos córregos cimentados, com a edificação de unidades residenciais na bacia, ou seja, nas margens ou no leito aterrado, sem a recuperação da mata ciliar, própria – plantação de mudas de espécies nativas - como seria desejável, e conforme prevê o Plano Diretor de Arborização de Manaus, art. 6º, III.

Por outro lado, é flagrante que, nas áreas ditas como já recuperadas, as águas continuam paradas, fétidas, espumosas, com o mato impróprio tomando conta da grama plantada. E o que é mais grave, continuam sendo depósitos ou recipientes de dejetos, resíduos e material poluente.

A rigor, em face da forma de como se apresentam, após a recuperação concluída, continuam como verdadeiros esgotos a céu aberto.

Enfim, não há nenhuma dúvida quanto ao fato de que o trabalho da forma como vem sendo executado importará na completa extinção e destruição dos igarapés de Manaus.

Nesse sentido, é válida a afirmação do biólogo e pesquisador do INPA, Jansen Zuanon, a seguir transcrita:


“O Prosamim (Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus) não tem nada de ambiental. Do ponto de vista ecológico, o nome é enganoso. Se não forem revitalizados, os igarapés de Manaus tendem a desaparecer” (A crítica, de 26 set 2012; anexo, doc. 02).

Na verdade, há unanimidade entre os estudiosos e pesquisadores especializados de que o trabalho que vem sendo executado pelo PROSAMIM não envolve saneamento, não tendo, por conseguinte, nada de ambiental.

Na mesma linha do pesquisador Jansen Zuanon é a advertência do pesquisador do INPA Sérgio Bringel, ao afirmar:

“Apesar da intervenção urbanística, não fizeram saneamento. Fizeram canalização mas sem tratamento de esgoto. A água dos igarapés já não presta para nada. Qualquer contato com a água dos igarapés e da orla do Rio Negro no mínimo, pode resultar numa micose” (A Crítica, p. C4, Ed. de 18.11.2012; anexo, doc. 03).

O tratamento dispensado é algo realmente inadmissível, máxime quando ocorre numa cidade tipicamente amazônica, situada no coração da Amazônia, no exato momento em que há um movimento mundial no sentido
da preservação da natureza, sobretudo dessa natureza amazônica, quer pela expressão singular da beleza exótica que encerra, quer pelo temor dos impactos negativos ecológicos, já evidentes.

No caso de Manaus, cidade quente e úmida, esses igarapés largos, com mata nativa ciliar cultivada, têm significado e importância reconhecidas, quer como expressão da paisagem bela, exótica, quer como corrente d’água doce, potável, aproveitável para o atendimento das necessidades de consumo, quer como elemento natural assegurador de um clima mais ameno e fresco.

A evocação do sentimento de respeito e gozo dos prazeres saudáveis desses igarapés, registrado com eloquência pela pesquisadora Karla da Silveira Gomes, em seu trabalho de dissertação “OS IGARAPÉS DE MANAUS NA PERCEÇÃO DE JOVENS MANAUARAS”, contém um sério questionamento

do modelo de desenvolvimento aplicado na urbanização da cidade em detrimento à natural conservação desses recursos hídricos. Merece ser transcrito o depoimento nostálgico dessa pesquisadora:  

“Na Verdade, os propósitos que impeliram o crescimento da cidade sempre encontraram obstáculos nos igarapés e adotaram a solução mais rápida de avançar sobre os espaços tomados das águas. Teria esse processo de desconstrução soterrado na memória histórica dos descendentes de manaós, banibas, barés e passés a imagem prazerosa de um banho de igarapé?” (pag. 19, disponível em: www.ppg-casa.ufam.edu.br/pdf/dissertações/2005/Karla Silveira.pdf).

Na verdade, o trabalho de aterrar, de cimentar o leito desses igarapés, de edificar nas margens e no leito aterrado, de não recuperar a mata nativa ciliar, enfim o trabalho da forma como vem sendo feito é algo inconcebível, sendo classificado como atentado ao meio ambiente, verdadeiro crime ecológico.

Por outro lado, parece evidente que o trabalho deveria começar nas nascentes, garantindo a completa limpeza e desobstrução das nascentes, e depois, seguir a ordem natural da corrente d’água, até atingir a saída do igarapé. Não é o que vem ocorrendo.

É flagrante que com essa inversão na ordem lógica da execução do trabalho, a canalização e o estreitamento da saída do igarapé geram a alagação das áreas antecedentes, agravada face às fortes chuvas, criando uma situação de pânico às populações carentes, ali estabelecidas. Os horrores compõem as manchetes dos jornais de Manaus, com a indicação das áreas infectadas e dos seríssimos problemas de saúde daí decorrentes.

Conforme documento tornado público pela Coordenação da Unidade de Gerenciamento do Programa Social e Ambiental de Manaus (anexo, doc. 1), o Estado do Amazonas está iniciando a terceira fase do Programa, que deverá alcançar os igarapés de São Raimundo, São Jorge e Aparecida.

O referido documento contém o seguinte registro:

“Serão construídos novos parques residenciais, com um total de 780 unidades habitacionais, também na Bacia do São Raimundo.
Estão previstas construções de 390 unidades habitacionais no bairro Presidente Vargas, 156 apartamentos no bairro de Aparecida, e 234 no bairro de São Raimundo”.

É flagrante que o Estado do Amazonas está dando continuidade ao mesmo trabalho realizado nas duas fases anteriores, cujos danos ambientais graves acima relatados, já se encontram efetivamente consumados.

É o Estado do Amazonas que antecipa que, pelo menos, “um total de 780 unidades habitacionais” serão construídas “na Bacia do São Raimundo”.

Vê-se, pois, que serão construídas unidades habitacionais na “Bacia do São Raimundo”, ou seja, nas margens, ou propriamente no leito aterrado do igarapé.

É interessante que o Estado do Amazonas reconhece no referido documento, ao fazer uma avaliação da área, que se trata de “zonas de alta sensibilidade ambiental, não aptas para o desenvolvimento urbano”, representando “um problema ambiental, social e urbanístico para a cidade” (pag. 1).

No entanto, a solução adotada importa em danos ambientais graves, além de configurar flagrante violência à Constituição Federal e à legislação de proteção ambiental vigente, conforme se passa a demonstrar.

O Autor, a seguir, passa a demonstrar as RAZÕES DE DIREITO que embasam a presente REPRESENTAÇÃO.
  
Inicialmente, não há dúvida quanto ao fato de que, por força de preceito constitucional, é competência comum da União, dos Estados e dos Municípios, “a proteção ao meio ambiente, o combate à poluição em qualquer de suas formas, a preservação das florestas, da fauna e da flora” (art. 23, VI e VII da CF).

Não há dúvida igualmente, quanto ao fato de que, por força de preceito constitucional, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (art. 225, da CF).
                  
Para assegurar a efetividade desses direitos é a própria Constituição Federal que “impõe as seguintes obrigações”, entre outras, ao Poder Público: (art.225 § 1º, I a VIII da CF):

  • preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
  • definir em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e supressão permitidos somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção:
  • exigir estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente;
  • controlar o emprego de técnica, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
  • proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.

A partir do regramento constitucional acima identificado, foi editada farta legislação ordinária de proteção ambiental, basicamente no âmbito federal,

sendo de mencionar as seguintes, entre outras: Lei n. 6938/81, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente; Lei n. 7347/85, de responsabilidade por danos causados ao Meio Ambiente; Lei n. 9605/98, do crime ambiental; Lei n. 9795/1999, da educação ambiental; Lei n. 9985/2000, que institui medidas de proteção às florestas existentes nas nascentes dos rios; e a mais recente Lei n. 12651/2012, que instituiu o novo Código Florestal.

Um dia após o protocolo da representação, o Ministério Público Federal, por meio do procurador da República, Leonardo Andrade Macedo defere o pedido da associação e decide instaurar um inquérito civil público para averiguar ocorrência de danos graves e irreparáveis ao patrimônio ambiental e à paisagem natural da cidade de Manaus, além da responsabilidade pelos danos já consumados, com a execução do Prosamin e determinou:
I Autue-se, registre-se e apense-se o presente ao ICP n. 1.13.000.001881/2011-33, devendo ambos ser classificados como Prioridade 1, nos termos da Portaria n. 023/2013 deste 2º Ofício Cível;
II - Envie-se cópia da Portaria, por meio digital, à Assessoria de Comunicação da PR/AM (Ascom), para afixação no quadro de avisos desta Procuradoria, pelo prazo de 10 (dez) dias e divulgação no site da PR-AM; 
III Comunique-se a instauração à douta 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, por meio eletrônico, inclusive com encaminhamento desta portaria em arquivo digital;
IV – Requisite-se informações sobre os fatos narrados na Representação (com envio de cópias em anexo), no prazo de 30 (trinta) dias, ao Governo do Estado do Amazonas – UGP Prosamim e IPAAM inclusive quanto a regularidade ambiental  (vigência de licença ambiental e cumprimento de suas condicionantes) da execução do programa.
V – Comunique-se a instituição autora da representação acerca da instauração deste ICP.