O
Instituto Amazônico da Cidadania - IACi protocolou no dia 08/04 próximo uma
representação no Ministério Público Federal contra o governo do Estado do
Amazonas sobre a destruição dos igarapés que vem ocorrendo na cidade de Manaus
pelo programa de saneamento dos igarapés de Manaus, o Prosamim.
Na petição o IACi sustenta que a forma adotada para a recuperação dos igarapés de Manaus, através do Estado do Amazonas, por via do PROGRAMA SOCIAL E AMBIENTAL DOS IGARAPÉS DE MANAUS – PROSAMIM vem se constituindo como flagrante atentado à paisagem natural da cidade, dano ambiental grave, verdadeiro crime ecológico, IMPORTANDO NA COMPLETA EXTINÇÃO E DESTRUIÇÃO DESSES IGARAPÉS.
Não há dúvida que o trabalho de recuperação deveria ser
realizado de forma a preservar a paisagem natural, ou de garantir a recuperação
dessa paisagem, violentada ao longo do tempo, por conta do processo
irregular de invasão.
É flagrante que esses igarapés
compõem um traço típico, característico, único, da cidade, e o trabalho que vem
sendo executado configura violência explícita à natureza, à paisagem natural da
cidade.
O fato de ser a cidade entrecortada
de igarapés – mais de 1000, como se tem notícia - é, sem dúvida, um traço
típico, característico, único (inexiste cidade brasileira igual), sendo forte
expressão da natureza, com valor artístico, paisagístico e turístico inigualáveis.
Na verdade, após a conclusão do
trabalho de recuperação registra-se a ocorrência de danos graves.
Assim, esses igarapés - cuja largura, no período de cheia, atinge mais de
trinta metros - foram aterrados e transformados em pequenos córregos
cimentados, com a edificação de unidades residenciais na bacia, ou seja, nas
margens ou no leito aterrado, sem a recuperação da mata ciliar, própria –
plantação de mudas de espécies nativas - como seria desejável, e conforme
prevê o Plano Diretor de Arborização de Manaus, art. 6º, III.
Por outro lado, é flagrante
que, nas áreas ditas como já recuperadas,
as águas continuam paradas, fétidas, espumosas, com o mato impróprio tomando
conta da grama plantada. E o que é mais grave, continuam sendo depósitos ou
recipientes de dejetos, resíduos e material poluente.
A rigor, em face da forma de
como se apresentam, após a recuperação concluída, continuam como verdadeiros esgotos
a céu aberto.
Enfim, não há nenhuma dúvida
quanto ao fato de que o trabalho da
forma como vem sendo executado importará na completa extinção e destruição dos
igarapés de Manaus.
Nesse sentido, é válida a
afirmação do biólogo e pesquisador do INPA, Jansen Zuanon, a seguir transcrita:
“O
Prosamim (Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus) não tem nada de
ambiental. Do ponto de vista ecológico, o nome é enganoso. Se não forem
revitalizados, os igarapés de Manaus tendem a desaparecer” (A crítica, de 26 set 2012;
anexo, doc. 02).
Na verdade, há unanimidade
entre os estudiosos e pesquisadores especializados de que o trabalho que vem
sendo executado pelo PROSAMIM não envolve saneamento, não tendo, por
conseguinte, nada de ambiental.
Na mesma linha do pesquisador
Jansen Zuanon é a advertência do pesquisador do INPA Sérgio Bringel, ao
afirmar:
“Apesar da intervenção
urbanística, não fizeram saneamento.
Fizeram canalização mas sem tratamento
de esgoto. A água dos igarapés já não presta para nada. Qualquer contato
com a água dos igarapés e da orla do Rio Negro no mínimo, pode resultar numa
micose” (A Crítica, p. C4, Ed. de 18.11.2012; anexo, doc. 03).
O tratamento dispensado é algo
realmente inadmissível, máxime quando ocorre numa cidade tipicamente amazônica,
situada no coração da Amazônia, no exato momento em que há um movimento mundial
no sentido
da preservação da natureza,
sobretudo dessa natureza amazônica, quer pela expressão singular da beleza
exótica que encerra, quer pelo temor dos impactos negativos ecológicos, já
evidentes.
No caso de Manaus, cidade
quente e úmida, esses igarapés largos, com mata nativa ciliar cultivada, têm
significado e importância reconhecidas, quer como expressão da paisagem bela,
exótica, quer como corrente d’água doce, potável, aproveitável para o
atendimento das necessidades de consumo, quer como elemento natural assegurador
de um clima mais ameno e fresco.
A evocação do sentimento de
respeito e gozo dos prazeres saudáveis desses igarapés, registrado com
eloquência pela pesquisadora Karla da Silveira Gomes, em seu trabalho de
dissertação “OS IGARAPÉS DE MANAUS NA PERCEÇÃO DE JOVENS MANAUARAS”, contém um
sério questionamento
do modelo de desenvolvimento
aplicado na urbanização da cidade em detrimento à natural conservação desses
recursos hídricos. Merece ser transcrito o depoimento nostálgico dessa pesquisadora:
“Na
Verdade, os propósitos que impeliram o crescimento da cidade sempre encontraram
obstáculos nos igarapés e adotaram a solução mais rápida de avançar sobre os
espaços tomados das águas. Teria esse processo de desconstrução soterrado na
memória histórica dos descendentes de manaós, banibas, barés e passés a imagem
prazerosa de um banho de igarapé?”
(pag. 19, disponível em: www.ppg-casa.ufam.edu.br/pdf/dissertações/2005/Karla
Silveira.pdf).
Na verdade, o trabalho de
aterrar, de cimentar o leito desses igarapés, de edificar nas margens e no
leito aterrado, de não recuperar a mata nativa ciliar, enfim o trabalho da
forma como vem sendo feito é algo inconcebível, sendo classificado como atentado ao meio ambiente, verdadeiro crime
ecológico.
Por outro lado, parece evidente
que o trabalho deveria começar nas nascentes, garantindo a completa limpeza e
desobstrução das nascentes, e depois, seguir a ordem natural da corrente d’água,
até atingir a saída do igarapé. Não é o que vem ocorrendo.
É flagrante que com essa
inversão na ordem lógica da execução do trabalho, a canalização e o
estreitamento da saída do igarapé geram a alagação das áreas antecedentes,
agravada face às fortes chuvas, criando uma situação de pânico às populações
carentes, ali estabelecidas. Os horrores compõem as manchetes dos jornais de
Manaus, com a indicação das áreas infectadas e dos seríssimos problemas de
saúde daí decorrentes.
Conforme documento tornado
público pela Coordenação da Unidade de Gerenciamento do Programa Social e
Ambiental de Manaus (anexo, doc. 1), o Estado do Amazonas está iniciando a
terceira fase do Programa, que deverá alcançar os igarapés de São Raimundo, São
Jorge e Aparecida.
O referido documento contém o
seguinte registro:
“Serão construídos novos
parques residenciais, com um total de 780 unidades habitacionais, também na Bacia do São Raimundo.
Estão previstas construções de
390 unidades habitacionais no bairro Presidente Vargas, 156 apartamentos no bairro
de Aparecida, e 234 no bairro de São Raimundo”.
É flagrante que o Estado do
Amazonas está dando continuidade ao mesmo trabalho realizado nas duas fases
anteriores, cujos danos ambientais graves acima relatados, já se encontram
efetivamente consumados.
É o Estado do Amazonas que
antecipa que, pelo menos, “um total de 780 unidades habitacionais” serão
construídas “na Bacia do São Raimundo”.
Vê-se, pois, que serão
construídas unidades habitacionais na “Bacia
do São Raimundo”, ou seja, nas margens, ou propriamente no leito aterrado do
igarapé.
É interessante que o Estado do
Amazonas reconhece no referido documento, ao fazer uma avaliação da área, que
se trata de “zonas de alta sensibilidade ambiental, não aptas para o
desenvolvimento urbano”, representando “um problema ambiental, social e
urbanístico para a cidade” (pag. 1).
No entanto, a solução adotada
importa em danos ambientais graves, além de configurar flagrante violência à
Constituição Federal e à legislação de proteção ambiental vigente, conforme se
passa a demonstrar.
O Autor, a seguir, passa a
demonstrar as RAZÕES DE DIREITO que embasam a presente REPRESENTAÇÃO.
Inicialmente, não há dúvida
quanto ao fato de que, por força de preceito constitucional, é competência
comum da União, dos Estados e dos Municípios, “a proteção ao meio ambiente, o combate à poluição em qualquer de suas
formas, a preservação das florestas, da fauna e da flora” (art. 23, VI e
VII da CF).
Não há dúvida igualmente,
quanto ao fato de que, por força de preceito constitucional, “todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (art. 225,
da CF).
Para assegurar a efetividade
desses direitos é a própria Constituição Federal que “impõe as seguintes
obrigações”, entre outras, ao Poder Público: (art.225 § 1º, I a VIII da CF):
- “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover
o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
- definir
em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes
a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e supressão permitidos
somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção:
- exigir
estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente;
- controlar
o emprego de técnica, métodos e substâncias que comportem risco para a
vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
- proteger
a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em
risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam
os animais a crueldade”.
A partir do regramento
constitucional acima identificado, foi editada farta legislação ordinária de
proteção ambiental, basicamente no âmbito federal,
sendo de mencionar as
seguintes, entre outras: Lei n. 6938/81, que institui a Política Nacional do
Meio Ambiente; Lei n. 7347/85, de responsabilidade por danos causados ao Meio
Ambiente; Lei n. 9605/98, do crime ambiental; Lei n. 9795/1999, da educação
ambiental; Lei n. 9985/2000, que institui medidas de proteção às florestas
existentes nas nascentes dos rios; e a mais recente Lei n. 12651/2012, que
instituiu o novo Código Florestal.
Um dia após o protocolo da representação, o Ministério Público Federal, por meio do procurador da República, Leonardo Andrade Macedo defere o pedido da associação e decide instaurar um inquérito civil público para averiguar ocorrência de danos graves e irreparáveis ao patrimônio
ambiental e à paisagem natural da cidade de Manaus, além da responsabilidade
pelos danos já consumados, com a execução do Prosamin e determinou:
I – Autue-se, registre-se e apense-se o presente
ao ICP n. 1.13.000.001881/2011-33, devendo ambos
ser classificados como Prioridade 1, nos termos da
Portaria n. 023/2013 deste 2º Ofício Cível;
II - Envie-se cópia da
Portaria, por meio digital, à Assessoria de Comunicação da PR/AM (Ascom), para
afixação no quadro de avisos desta Procuradoria, pelo prazo de 10 (dez) dias e
divulgação no site da PR-AM;
III – Comunique-se a instauração à douta 4ª
Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, por meio
eletrônico, inclusive com encaminhamento desta portaria em arquivo digital;
IV – Requisite-se informações sobre os fatos
narrados na Representação (com envio de cópias em anexo), no prazo de 30
(trinta) dias, ao Governo do Estado do Amazonas – UGP Prosamim e IPAAM
inclusive quanto a
regularidade ambiental (vigência de
licença ambiental e cumprimento de suas condicionantes) da execução do programa.
V –
Comunique-se a instituição autora da representação acerca da instauração deste
ICP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário